quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Fragment

O vento agreste fustigava-me a cara e fazia com que o cabelo ondulasse atrás de mim como se estivesse vivo e me quisesse abandonar, o cigarro, quase no filtro, dava-me o único consolo depois do pior dia da minha vida, um dia que nunca esqueceria, sabia-o bem. Até há oito horas atrás tinha sido um dia vulgar, a rotina a mesma dos últimos 3 anos, mas por obra de um qualquer deus irado, tudo tinha mudado, e nunca mais voltaria a ser igual.

Enquanto caminhava, pensava ainda na forma como vira o seu corpo pela última vez, esventrado, totalmente branco, olhando-me com aqueles olhos outrora calorosos, e a boca… Afastei os meus pensamentos antes que a onda de dor me invadisse novamente – neste momento precisava de estar completamente lúcido. Apertei o revólver que levava no bolso do sobretudo, imaginando já a forma como o iria usar, apenas tinha três balas. Teriam de ser suficientes.

Ao aproximar-me da vistosa casa, senti o meu corpo contrair-se com o frio cada vez mais dilacerante, vi a luz nas janelas, e os movimentos no interior, mas não fiz qualquer esforço para me ocultar – tinha uma missão e iria cumpri-la sem jogos infantis. Ao aproximar-me da porta não pude deixar de sorrir – aberta - o primeiro alvo estava logo a seguir, servindo-me de uma pequena mesa, com uma peça de porcelana e um napperon, atingi-o na cabeça repetidamente até o som das pancadas se tornar irritante e a poça de sangue me ensopar as meias através das sandálias. Passando por cima do cadáver, tirei o revólver do casaco, ao mesmo tempo que entrava pela porta lateral do pequeno hall. Tremia, agora não por causa do frio, mas sim com a excitação – estava no meu ambiente. Entrei na sala. Do outro lado da divisão a pequena mulher olhava-me surpreendida, era uma pena que tivesse de morrer, a bala perfurou-lhe a testa, fazendo-a tombar para a frente, ficando numa posição absurda, quase como se estivesse a rezar. Sabia que o disparo tinha decerto alertado o meu último alvo, mas não me preocupei e continuei a minha caminhada silenciosa até ao meu destino.

Tal como esperava encontrei-o na cozinha, agora já munido de duas enormes facas – talvez as que tenha usado para o esventrar, pensei eu. Servindo-me do meu maior autocontrolo, para não o abater imediatamente, olhei-o de cima a baixo, tentando perceber nele alguma espécie de culpa ou ressentimento. O lábio tremia-lhe, bem como as mãos normalmente firmes, ele sabia que a sua hora estava para breve.

- Porque é que estás a fazer isto?

Porquê? Se esperava algum sinal de arrependimento do homem, depressa abandonei essa hipótese, mesmo que o inquirisse decerto negaria tudo o que eu dissesse. Assim, enquanto percorria a distância que nos separava, apontei-lhe a arma ao seu joelho direito premindo o gatilho, sabia que era uma dor horrível ser atingido no joelho, mas era apenas uma amostra comparada com tudo o que me tinha feito passar. O ar ficou preenchido com os seus gritos de dor e súplicas de misericórdia. Junto dele olhei-o nos olhos, desejando que pelo menos Deus tivesse pena da sua alma, aproximei a arma do seu coração e disparei a última bala, sentindo o espasmo do seu corpo quando o metal encontrou a carne. Após um momento em que no meu interior comecei a serenar, abaixei-me, fechando-lhe os olhos, que já nada viam, pela última vez e abandonei a casa como um novo homem.

Enquanto me afastava, pensava ainda na forma como aquele peixe fora cozinhado, decidindo imediatamente parar no primeiro bar que encontrasse para limpar os últimos restos daquele sabor atroz que ficara na minha boca.

Sem comentários:

Enviar um comentário